10 de Maio de 2020

Entrevista com Dra. Keylla Ranyere Lopes Teixeira Procópio

Confira a homenagem de dias das mães prestada pela Anamages.

Juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí (TJPI) desde maio de 2002, Keylla Ranyere Lopes Teixeira Procópio é titular da 3ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Teresina. É especialista em Direito Processual Civil pelo Instituto Camilo Filho, especialista em Direito Eleitoral pela UFPI e especialista em Gestão Judiciária pela Fundação Getúlio Vargas. Cursa especialização em Direito de Família e Sucessões na LFG. Atuou como titular nas comarcas de Bertolinea, Elizeu Martins, Nazaré do Piauí, São Miguel do Tapuio e Valença do Piauí.  

Anamages: Os processos que envolvem famílias são conhecidos pelo peso de histórias, muitas vezes, dolorosas. Como a Sra. se despe dessas dores para chegar em casa e transmitir boas energias ao se encontrar com as suas filhas? 

Dra.Keylla: A matéria prima do trabalho dos magistrados é formada por “problemas” e não apenas os que residem nos processos… O peso do cargo é o primeiro fardo. A responsabilidade que os juízes levam sobre os ombros (decidir os destinos das pessoas) já justifica, e muito, o estresse que suportam. No entanto, os julgadores carregam também a cobrança da sociedade (“a culpa é do juiz!”), dos órgãos de gestão (metas e mais metas), das partes, dos advogados… Sofrem com a falta de estrutura, de pessoal… É muita pressão. Estudos mostram que a magistratura é uma das profissões mais estressantes que existem, superando trabalhadores de minas e pilotos de avião. Agora, some esta carga com o terceiro/quarto turnos suportados pelas magistradas mães e talvez você possa ter uma ideia do que é a vida de uma juíza mãe. Não é fácil. Além disso, a sociedade desenha a figura materna como algo sagrado, intocável, perfeito, tudo que nunca seremos. Esse modelo vem formatado em nossas versões originais, desenhadas pelos costumes e replicadas por nossos ancestrais. Esse padrão faz com que as mães magistradas suportem um grau de tensão superior ao dos juízes e das julgadoras que não são mães (se bem que as mulheres sempre são mães de alguém… Até dos próprios pais), pois além da carga já destacada suportada pelo trabalho, carregam a responsabilidade pelas atividades domésticas (não falo dos afazeres em si, mas da obrigação) e, principalmente, arrastam a culpa. O remorso por não estarem presentes, por não conseguirem acompanhar as atividades escolares, por terem que privar os filhos das suas presenças. O pai juiz vai tranquilamente para uma Comarca mais distante, a mãe juíza já não consegue… A culpa e a responsabilidade social não permitem. Diante de tudo isto que relatei, e sendo consciente desta realidade nua, vivo um dia de cada vez, me policiando e relembrando que não sou perfeita e nunca poderei ser… E assim sigo… Lutando diariamente no gerenciamento do tempo, separando as horas de trabalho daquelas dedicadas à família. Quero que minhas filhas aprendam que a vida não é um conto de fadas, mas é linda do jeitinho que ela é.


Anamages: Ser filha de uma juíza não deve ser tarefa fácil! Geralmente são impostos altos níveis de cobrança para que se comportem rigorosamente bem. Quais as medidas que a Sra. pratica para a segurança e o bem estar de suas filhas, com o cuidado de não deixá-las inseguras? 

Dra.Keylla: O magistrado não pode errar e é cobrado para que seja assim. Acontece que somos humanos, feitos de carne, osso e sentimentos. Também são passíveis de falhas e não há nada de errado com isso. Agora, ser um(a) cidadão(ã) de bem é obrigação de todos, não só do juiz. É isso que passo para minhas filhas. Respeitar regras, respeitar o outro, ser solidário, cuidar da segurança pessoal, não se expor, são ensinamentos que fazem bem a qualquer pessoa.

Anamages: Como tem sido a experiência de realizar a atividade da judicatura de forma remota?

Dra.Keylla: Um desafio. Não é apenas trabalhar em casa, como muitos pensam. É acumular o trabalho com as atividades domésticas e escolares. Minhas filhas dependem de mim para acessar as plataformas, preciso acompanhar as aulas (às vezes, ao vivo!), as atividades… Tudo é novo para mim e para elas. Confesso que está difícil manter o ritmo, mas seguimos lutando. Sabe, vejo tudo isso como uma grande oportunidade de aprendizado… Todos estão trabalhando para descobrir novas alternativas e possibilidades. Seremos melhores depois desta pandemia. 

Anamages: A Sra. percebe inclinação ou vocação de alguma de suas filhas para a Magistratura? Se optarem pela carreira, a Sra. pretende incentiva-las?

Dra.Keylla: Não vejo ainda. Elas até refletem sobre o que desejam ser quando crescerem, mas sabem que essa decisão pode ser mudada com o decorrer do tempo. São bem relaxadas nesse ponto. Gosto disso e incentivarei qualquer carreira que escolham, desde que o façam por coração.

Anamages: Comente como tem sido a criação de suas meninas com a rotina exaustiva da Magistratura:

Dra.Keylla: Não sei o que responder a você. Sei que dou amor e exemplo. Nada de extraordinário. A beleza da vida está aí, no simples, no abraço, no sonhar juntos…. Um dia não estarei mais aqui neste mundo, então gosto de curtir o caminho… Não espero a sexta-feira para ser feliz, entendeu? Dou o meu melhor e estou satisfeita. Amo-as e me sinto amada. Prefiro agradecer por tudo que temos do que pensar naquilo que nos falta. 

Homenagem dos filhos:

Heloísa Lopes Teixeira Procópio, 9 anos, estudante.
“Eu amo ela, eu gosto dela porque é muito carinhosa, divertida, faz muitas coisas. Não tem como explicar, porque eu amo tudo nela”. 

Milena Lopes Teixeira Procópio, 8 anos, estudante.
“Eu acho ela muito bonita e legal. Amo a minha mãe porque ela sempre me dá muito carinho, e quando viaja sempre traz um presente”.