6 de julho de 2023

O Juiz e a sua história – Dr. Márcio Perroni -TJPR

O quadro O Juiz e a sua história, criado pela ANAMAGES para colocar em evidência trajetórias de lutas e de conquistas na Magistratura, hoje aborda a vida do Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR), Dr. Márcio Perroni.

O quadro O Juiz e a sua história, criado pela ANAMAGES para colocar em evidência trajetórias de lutas e de conquistas na Magistratura, hoje aborda a vida do Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR), Dr. Márcio Perroni. Paulista de Olímpia, ele iniciou o curso de Direito aos 17 anos, em Ribeirão Preto, e no ano seguinte foi aprovado no concurso para Escrevente Técnico Judiciário em sua cidade natal. Por não conseguir a transferência do curso para um local mais próximo do emprego, a graduação foi interrompida e retomada dois anos mais tarde.

Com uma jornada extenuante, Dr. Márcio trabalhava durante o dia no Fórum de Olímpia e estudava no período noturno em São José do Rio Preto-SP, com um deslocamento diário de 100 km. No dia 13 de novembro, ao retornar da faculdade, Dr. Márcio sofreu um acidente automobilístico. O carro que ele dirigia colidiu com um caminhão carregado, levando-o a 35 dias de internação hospitalar (sete deles na UTI) e 18 intervenções cirúrgicas, sendo necessária a amputação de sua perna esquerda.

Após esse episódio, Dr. Márcio teve dificuldades para acompanhar o curso de Direito e a graduação foi concluída com um ano de atraso. Em 1998, prestes a se formar, ele decidiu dedicar-se à advocacia, exercendo a função por 13 anos, na área tributária, campo em que ele possui pós-graduação. Com a referência do pai que foi servidor do Poder Judiciário por quase 40 anos e com o incentivo da esposa, ele passou a se dedicar aos estudos para a Magistratura, seu grande sonho, e no dia 10 de dezembro de 2012 – mesmo dia e mês da cirurgia de amputação da perna, soube de sua aprovação no TJPR.

Nesta semana, o Magistrado concedeu uma entrevista à ANAMAGES e falou sobre a sua história de desafios e de lutas. Confira:

ANAMAGES: Quais foram as maiores dificuldades na judicatura e como o senhor conseguiu manter o equilíbrio emocional para passar por esses desafios?

Dr. Márcio Perroni: Acredito que a maior dificuldade é a síndrome de burnout em razão do excesso de trabalho, das metas que são impostas e, principalmente, pela competitividade com os demais atores do sistema judiciário.

No meu caso, percebi uma dificuldade extrema em manter a minha condição física com atendimento especializado, pois sempre necessito de ajustes em minha prótese e um trabalho fisioterapêutico específico para manter a minha qualidade de vida.

Acrescente-se a isso que, no começo da Magistratura, quando você exerce sua função em cidades distantes, pelo menos no meu ponto de vista, me senti muito isolado, não conseguindo promover rapidamente na carreira de forma a alcançar uma cidade que dispusesse dos recursos necessários para atender de forma adequada minha condição física diferenciada, como acontece hoje em Maringá, comarca que exerço minha função.

ANAMAGES: O senhor cogitou desistir alguma vez? Se sim, o que o estimulou em continuar?

Dr. Márcio Perroni: Sim, logo no início, quando assumi a minha função na longínqua e isolada Laranjeiras do Sul, distante de tudo e de todos (familiares), sem recursos necessários para atender as minhas necessidades físicas. O que me estimulou a continuar foi a minha família e tratamento com psicóloga e psiquiatra, além de perceber que se tratava de um ciclo inicial que seria superado, o que ocorreu. E, óbvio, a minha paixão e sentimento de realização pela função judicante.

ANAMAGES: Fale sobre como são e como deveriam ser as políticas públicas e diretrizes do Judiciário para pessoas com mobilidade reduzida:

Dr. Márcio Perroni: O CNJ, através da Resolução n. 75 de 2009, em seu artigo 75, exigiu que antes da prova objetiva, o candidato com deficiência física se submetesse à avaliação perante Comissão Multiprofissional para atestar a compatibilidade da deficiência com as atribuições inerentes a função judicante. Não bastava comprovar a condição com atestado e o respectivo CID, era exigido o comparecimento até o Tribunal para atestar tal condição e que a mesma não atrapalharia a função judicante.

Como prestava concurso em vários estados, tive que me deslocar por Tribunais nessa peregrinação vexatória e indevida para provar o que já estava demonstrado no atestado anexado nas inscrições. Isso perdurou até 2015, quando o comparecimento passou a ser exigido no exame de sanidade física e mental. 

Ainda assim, penso ser indevida tal exigência, pois a capacidade física e mental do Magistrado portador de deficiência se analisa durante o estágio probatório, quando o Juiz vai demonstrar se detém capacidade física e mental para exercer a função judicante.

E como política pública bastaria exercer de forma plena o que prevê a Convenção Internacional sobre pessoas com deficiência (Protocolo de Nova York- de 30 de março de 2007), aprovado com “status” de Emenda Constitucional através do Decreto n. 6949, de 25 de agosto de 2009), especialmente em seus artigos 3 e 4.

ANAMAGES: Como o TJPR procedeu durante o seu concurso?

Dr. Márcio Perroni: O TJPR, no ano de 2012, entendeu que tal exigência não se mostrava razoável e proporcional, dispensando o meu comparecimento até tal comissão, considerando que eu já tinha demonstrado perante outras comissões de outros Tribunais a minha condição física, deferindo a minha inscrição como portador de deficiência com base no atestado quando da realização da inscrição inicial. Assim, não deve haver qualquer tipo de limitação ou discriminação.

ANAMAGES: Qual seria o melhor cenário, a partir de sua ótica, para pessoas do Judiciário com alguma limitação física:

Dr. Márcio Perroni : O melhor cenário seria aplicar de forma efetiva, imediata e ampla a Emenda Constitucional (Convenção Internacional) que versa  sobre os direitos das pessoas portadoras de Deficiência. É necessário pensar sobre a efetividade de todas as normas existentes, a exemplo da resolução do CNJ (Resolução n. 401/2001 – artigo 1º, parágrafo primeiro) que diz que os Tribunais são obrigados a fornecer a tecnologia assistiva adequada para o exercício pleno das funções pelos deficientes.

Não tenho conhecimento se há Tribunais que fornecem tecnologia assistiva para amputados (com prótese), possibilitando o exercício de forma plena. As associações de Magistrados também poderiam adequar seus estatutos e atualizar os seus planos de saúde para incluir o fornecimento dessas tecnologias para seus associados em parceira com os Tribunais respectivos.

Não custa caro fornecer tais tecnologias, pois é melhor reabilitar o Magistrado de forma plena para que ele continue produzindo até sua aposentadoria ordinária, do que perder um Juiz para a inatividade pela incapacidade de manter a sua qualidade de vida. Além disso, a LOMAN e os demais regimentos dos Tribunais poderiam se adequar à Emenda Constitucional de forma a permitir a Magistrados com deficiência uma adequada movimentação na carreira para alcançar comarcas com recursos necessários para o tratamento multiprofissional e a manutenção da qualidade de vida.