4 de agosto de 2023

A Juíza e a sua história – Dra. Valéria Lacerda – TJRN

Nesta semana, o quadro “A Juíza e a sua história” destaca a vida da Magistrada Dra. Valéria Rocha, do TJRN.

Reproduzir retratos de lutas, desafios e aprendizados na Magistratura é o objetivo do quadro “A Juíza e a sua história” que nesta semana destaca a trajetória da Magistrada Dra. Valéria Lacerda, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte.

Natural de Fortaleza, no Ceará, a Juíza é a primeira dos cinco filhos de um taxista e de uma dona de casa que desde cedo transmitiram bons valores à família, como o amor, o respeito e a união. Moradora da periferia da capital do Ceará, Dra. Valéria teve uma infância de muito sacrifício e levou a sério o ensinamento de seu pai, hoje com 78 anos, que dizia que a única herança que ele poderia deixar para os filhos seriam os estudos. Ela concluiu o segundo grau, na época optando pelo pedagógico (antigo magistério) para lecionar enquanto estudava para o vestibular. Depois de muita dedicação, em 1993, ela foi aprovada no curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, uma das mais disputadas do estado.

Com poucos familiares com formação em um curso superior, a Dra. Valéria tinha a certeza de que a graduação poderia abrir portas para ela. Dois anos depois de ingressar na universidade, ela foi aprovada em um concurso de nível médio do TJCE, e a partir dessa experiência, passou a conhecer de perto o cotidiano das carreiras jurídicas. Inspirada por alguns Juízes, a Dra. Valéria passou a dedicar-se aos estudos para o ingresso na Magistratura, conquistando a aprovação no TJRN em 2000. Confira a entrevista que ela concedeu à ANAMAGES nesta semana.

ANAMAGES: Dra. Valéria, o que a impulsionou a vencer os desafios que foram surgindo?

Dra. Valéria: Na minha época, eu não pensava muito no que iria acontecer, eu só sabia que precisaria melhorar de vida. Eu queria muito poder mudar a situação da minha família, dar uma vida melhor aos meus pais e aos meus filhos. E acho que isso me motivava bastante.

ANAMAGES: Como a senhora consegue conciliar a maternidade com a Judicatura?

Dra. Valéria: Hoje os meus filhos são adultos, estão concluindo cursos universitários, então eu não preciso mais tentar ser a mulher maravilha. Porém, no início dos anos 2000, eu não tinha tanto apoio e foi muito difícil, porque eu precisava passar a semana longe e os encontrava apenas aos finais de semana.  Essa é minha grande angústia, porque eu carrego sempre aquele sentimento de culpa por não ter conseguido aproveitar a infância dos meus filhos.

O meu segundo filho nasceu 10 dias antes de minha posse como Juíza, que ocorreu em outubro de 2000, e na época eu nem cogitei a possibilidade de tirar a licença maternidade para não ser malvista pelos colegas. Eu tinha vergonha de ser julgada por entrar na carreira com filhos nos braços, mas eram outros tempos. Hoje percebo o quanto era difícil para nós, mulheres, exercer uma carreira como a da Magistratura.

ANAMAGES: A maior herança que uma mãe deixa para o seu filho é o exemplo. O que os seus filhos aprendem com o seu?

Dra. Valéria: Eu espero que os meus filhos vejam a mulher forte, honesta e com garra, que sempre lutou muito para conseguir chegar aonde chegou. Meus filhos foram criados com os pés no chão, sem luxos, sabendo que na vida é preciso lutar a cada dia por uma igualdade social. Eles têm consciência de que as pessoas não partem do mesmo local nessa corrida chamada de vida e sabem que não são melhores do que ninguém, e que é preciso respeitar as diferenças.

Além disso, eu sempre os aconselho a se lembrarem das nossas origens, para não se perderem de si mesmos.

ANAMAGES: Muitas profissões exercidas em postos de poder ainda carregam traços de machismo. A partir de sua ótica, qual seria a melhor perspectiva para as mulheres na Magistratura?

Dra. Valéria: A magistratura é uma carreira extremamente machista. Conseguimos chegar na primeira instância, mas dificilmente chegamos aos tribunais. Infelizmente, ainda há na Magistratura e em carreiras de liderança, a ideia de que ou a mulher cuida da família ou da carreira. Quantas amigas minhas abriram mão de ascender profissionalmente para estar mais próxima da família? Acho que é preciso olhar para esse fato.

Não podemos deixar de crescer na profissão pelo fato de termos família. Uma coisa não deveria excluir a outra. Mas, infelizmente, essa realidade ainda é muito comum. Precisamos lutar pelo nosso direito de trabalhar e de cuidar das nossas famílias. Vejo como as pessoas olham com preconceito para aqueles colegas que possuem filhos com necessidades especiais. Enfim, são muitas as conquistas, mas precisamos avançar em outros pontos. Eu espero que essa nova geração de mulheres acorde para isso, como eu despertei.