5 de Maio de 2023

Único Juiz de BH a conduzir julgamentos de feminicídio, Ricardo Sávio de Oliveira encara maior volume da matéria no país com eficiência

O Juiz Titular do Tribunal do Júri de Belo Horizonte, Ricardo Sávio de Oliveira

O Juiz Titular do Tribunal do Júri de Belo Horizonte, Ricardo Sávio de Oliveira, que ocupa o cargo de Vice-Presidente da região Sudeste da ANAMAGES,  assumiu em fevereiro de 2020, quando a competência para processar e julgar os crimes de feminicídio, e outros que forem conexos, se tornou exclusiva do Tribunal do Júri, o desafio de ser o único Magistrado de Belo Horizonte, uma das capitais mais populosas do Brasil, a conduzir os julgamentos relativos à feminicídio. Ele enfrenta, com eficiência, o maior fluxo de casos da matéria no país, conforme apontado pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública que contabilizou em 2021, em Minas Gerais, a maior quantidade de registros no Brasil.

O Magistrado Ricardo Sávio explica que a alta taxa de registros e casos em Belo Horizonte enseja a designação de Sessões de Julgamento ao longo de todo o ano, para que seja fornecida uma jurisdição célere e justa à população. “No ano de 2021, a título de comprovação, foram distribuídos 40 (quarenta) novos processos referentes ao crime de feminicídio, tendo sido proferidas 150 (cento e quinta) sentenças no Estado de Minas Gerais sobre o tema, conforme consta do Monitoramento da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, apresentado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ)”, diz.

Em razão do Tribunal do Júri possuir um rito especial, sua atuação é dividida em duas etapas, a primeira incumbe ao Juiz Sumariante, que avalia se o acusado possuía a intenção de praticar o crime, ou seja, se agiu de forma dolosa. Uma vez identificado o dolo, compete ao Juiz Presidente, dar seguimento ao feito, determinando a realização de diligências para o agendamento da Sessão Plenária de julgamento do acusado. “A Vara não abrange outras comarcas, pois, no Estado de Minas Gerais, nas comarcas onde há duas ou mais varas de competência mista, ou seja, aquelas que julgam matéria cível e criminal, o trâmite dos processos que versam sobre o crime de feminicídio é de competência exclusiva do Juiz da 2ª Vara, se não existir Vara específica do Tribunal do Júri. Ainda, naquelas Comarcas onde há apenas uma única Vara Criminal, a competência é do Juiz dessa Vara. Por fim, nas comarcas onde há  duas ou mais Varas Criminais, a competência é do Juiz da 2ª Vara Criminal, se não existir Vara específica do Tribunal do Júri”, explica o Juiz.

O Magistrado explicou como funciona o trabalho frente aos casos de feminicídio. “O Tribunal do Júri – 1º Presidente possui a competência exclusiva para processar e julgar os crimes de feminicídio e os conexos, mas também julga os demais crimes dolosos contra a vida, dentre eles o homicídio, o induzimento, instigação ou auxílio a suicídio, o infanticídio e o aborto, que pode ser provocado pela gestante, por terceiro sem o consentimento e por terceiro com o consentimento da gestante. Sendo assim, em todos os dias úteis do ano existem Sessões de Julgamento previamente designadas, que começam às 08h20min e não tem hora para acabar, pois depende da complexidade do caso e do tempo dispendido pelas partes em suas exposições. Dessa forma, acabo despachando do meu gabinete, ao longo do dia, os processos no mesmo dia que chegam, dentre eles muitos casos de feminicídio que demandam uma análise mais aprofundada dos autos, sempre zelando pela eficiência e celeridade da justiça”, afirma.

O Magistrado também falou sobre o tempo de resolução dos conflitos. “O Tribunal do Júri por ser um rito especial e formalístico é dotado de fases, que a princípio podem atrasar o feito. Todavia, faço questão de manter a produtividade em dia, fazendo com que todos os processos de réu preso, incluindo aqueles que são suspeitos de terem cometido feminicídio sejam julgados em no máximo 90 dias a partir do processo chegar no meu gabinete”.

Também existem desafios, conforme apontado pelo Juiz Ricardo Sávio. “No Tribunal do Júri, em especial nos crimes de feminicídio, por se tratarem de fatos frequentemente cometidos por razões passionais, nos quais há um excesso de emoções, a condução da Sessão de Julgamento que se estende ao longo do dia pode ser considerada como um grande desafio, pois é necessário ficar atento para que as partes, seja o Ministério Público ou a Defesa do acusado, não se utilizem de argumentos ou façam perguntas que possam expor, de forma desnecessária, a vítima e as testemunhas que são ouvidas. Nesse sentido, inclusive, está a Lei de n.º 14.245/2021, conhecida como Lei Mariana Ferrer. Ainda, por se tratar de um ato público, é necessário manter um controle da Sessão Plenária para que o Conselho de Sentença, representado por 07 (sete) jurados, não sofra qualquer tipo de influência do público externo, razão pela qual manifestações e vestimentas, de forma favorável ou contrárias ao caso do dia, não são permitidas, garantindo assim a paridade de armas entre acusação e defesa”.

O Magistrado comentou sobre a possibilidade de ampliação de outras varas desta natureza no interior. “O Tribunal de Justiça já ampliou o número de varas com competência exclusiva de feminicídio no interior. Todavia, diante das limitações orçamentárias e práticas, entendeu como adequado apenas ampliar a competência de algumas varas mistas e criminais, visando cada vez mais a especialização, dada a relevância do tema.
O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) vem se demonstrando engajado no assunto, tendo, inclusive, aumentado as ações da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (COMSIV), fornecendo dados estatísticos do combate à violência contra a mulher, realizando campanhas de conscientização e disponibilizando locais de atendimento especializado às mulheres que sofrem ou sofreram violência doméstica”, garante.

Sobre os tipos de feminicídio reconhecidos por lei, o Magistrado destaca que o Feminicídio nada mais do que é uma qualificadora, do Homicídio, ou seja, dada a relevância do tema a população, por intermédio de seus representantes do povo (Congresso Nacional), entendeu como necessário agravar a pena daqueles que praticam um homicídio doloso, com a intenção de matar a mulher em razão da condição do sexo feminino. “No Código Penal, mais precisamente no art. 121, §2º-A, estabelece que poderá ser considerado como feminicídio, ou seja, um homicídio praticado em razão da condição de sexo feminino quando se der em situação de violência doméstica e familiar, ou seja, quando ocorrer qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause a morte da mulher e no caso de menosprezo ou ainda pela discriminação à condição de mulher, que deverá ser aferida no caso concreto”.

Por fim, o Juiz Ricardo Sávio comentou sobre os avanços do Judiciário com relação à matéria. “O Judiciário como um todo vem promovendo cada vez mais mudanças significativas almejando a proteção das mulheres e, principalmente, a garantia da efetiva prestação jurisdicional, por meio de decisões cada vez mais técnicas, que responsabilizam aqueles que continuam a crer que a mulher na sociedade pode ser vista como um objeto.

No Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) existem inúmeras iniciativas para aumentar a proteção das mulheres, como, por exemplo, a atribuição de Varas com competência exclusiva para processar e julgar os crimes de feminicídio e a criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar, que garantem as vítimas a pronta resposta dos pedidos de medidas protetiva e, em razão da especialização da unidade judiciária, ensejam a celeridade do julgamento dos processos.

Ainda, a Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (COMSIV), que pertence ao TJMG, se destaca pelas propostas e iniciativas com a sociedade civil, empresas e instituições, por intermédio de campanhas de conscientização e ações afirmativas visando conscientizar a mulher dos seus direitos e, principalmente, do ciclo da violência doméstica e familiar. Dentre as iniciativas, deve-se destacar a criação do Selo Mulheres Libertas, que é o reconhecimento do Tribunal àquelas pessoas, empresas e instituições que, por meio de trabalhos e projetos, contribuem para prevenir e combater a violência contra a mulher, alcançar a igualdade de gênero e empoderar mulheres e meninas”, conclui.